Anjos da nossa caminhada

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Chega um dia em nossa caminhada que a gente finalmente entende que para se viver bem é preciso aprender a viver sozinho.

Não sozinho no sentido de se isolar do mundo e tornar-se amargurado porque ninguém soube corresponder suas expectativas. Mas, sozinho, no sentido de saber caminhar só; aprender a não depender de ninguém e entender que as pessoas queridas lhe acrescentam, mas não há nada que se esperar, não há nada a que se prender. Cada um vive sua vida individualmente, e passa-se por ela sorrindo quem mantém amigos ao seu lado para dar-lhe força na superação dos obstáculos.

Quando adquire-se uma certa maturidade, compreendemos que nada é para sempre e até aquele melhor amigo do mundo um dia te decepciona.
Namoros acabam e – graças a Deus – você não precisa nunca mais olhar para a cara da pessoa.
Família é laço sanguíneo e você sabe que pode acontecer o barraco que for, continuará sendo sua família.
Já os amigos…a cada minuto criam-se amizades e desfazem-se laços. O que fica são as boas lembranças; de uma conversa, uma gargalhada, um choro compreendido.
E eu achava que a vida era assim e os amigos renovavam-se.
Até que eu descobri que existem pessoas maravilhosas nesse mundo, pessoas que temos vontade de conhecer e desvendar. Pessoas que nos ensinam e nos acrescentam muito.
Descobri que cada um tem seu caminho a seguir, mas que – mesmo com a vida corrida que a gente leva – a gente pode manter zilhões de amigos ao nosso lado. E são eles que tornam tudo mais divertido, mais prazeroso e que nos dão força, seja em um sorriso, um abraço, uma palavra ou até em um deboche.

Amizade tem que ser cultivada, cuidada. Se você deixar ela lá e não regá-la todos os dias, ela esfria, afasta, acaba.
Tem que ter paciência o bastante para ligar ou mandar uma mensagenzinha dizendo que está com saudade.
Tem que ter força para escutar aquele monte de problema quando você queria era ser escutado.
Tem que ter humildade para pedir perdão e sabedoria para entender que não é porque você foi magoado que você não é querido.
Tem que ter sensibilidade para perdoar, respeitar e aprender a conviver.
E, tem que ter memória fraca, para conseguir esquecer os tropeços um do outro e cultivar só as coisas boas.

Quem não tem amigo não ouve uma verdade que tem que ser dita; não compartilha suas histórias; não aprende com uma personalidade diferente; não sente o prazer que é rir em voz alta e sentir-se feliz, por estar ali, na frente de um amigo que te entende.
Quem não tem amigo não vivencia a complexidade humana e não busca a evolução, sente-se só e vive-se só. E não porque aprendeu a construir seu próprio eu e caminhar em busca do que acredita, mas sim porque não soube cuidar de uma amizade para torná-la eterna e não soube entender que não existe ser humano perfeito; por mais admiração que se tenha, as pessoas vão falhar e – como diria Shakespeare – você terá que perdoá-las por isso.

E assim consiste a arte de viver bem.
Construir sua caminhada com seus próprios princípios e fortalecer-se na individualidade para quando enxergar-se sozinho ou incompreendido. E, porquê, cada um está nessa vida com uma certa carga de missão e de aprendizado, e a carga do outro não lhe cabe, por isso devemos focar na nossa que já é pesada o bastante.

Entretanto, devemos colorir nossa caminhada com amigos que se encontram nos mais inusitados lugares.
Sempre pode-se fazer mais amigos. E as pessoas mais ricas são aquelas que possuem amigos de todos os tipos, sexualidades, classes sociais, religiões e ideologias…é assim que ela conhece o mundo e leva o que acha útil para sua caminhada.

Mas é certo que existem pessoas que simplesmente não nos fazem bem. Destas, afasta-se.
Deixa ir. Sem rancor e sem lição de moral. Esquece e segue teu caminho!

Já dos bons amigos ou dos apenas colegas, cultive a amizade e desfrute o máximo que puder!
Não há nada a perder e você só enriquecerá.
Será mais fácil trilhar sua caminhada se houver pessoas que lhe queiram bem ao seu lado.

É hora de deixar toda mágoa para trás e resgatar todas as pessoas que lhe fazem bem.
Perdoar, esquecer e fazer-se amigo de verdade.
Há pessoas por aí precisando de abraços, sorrisos e palavras amigas.
Se você já aprendeu a viver, ensina um amigo e mostre a ele que quando se compartilha alegria ela se multiplica em vários sorrisos…

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Livia Galhardi.

A luta

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Criança sempre me encantou.
Um anjinho que acabou de chegar do céu. Mais puro, mais inocente e mais verdadeiro.
Sorri com a mais simples brincadeira, com a chegada de alguém especial ou com um abraço carinhoso.

Sempre tive medo da velhice.
Tornar-me dependente e viver esperando a hora da morte assustava-me.
Viver o tempo necessário e de maneira plena e feliz – era a minha meta.

Foi aí que minhas teorias mudaram.
Esse desdém com a velhice começou a me irritar.
Entendi que velhice é também uma fase da vida.
Na infância, a gente brinca, ri e se diverte despreocupadamente.
Na adolescência, a gente chora, briga, se descabela e não entende nada, mas quer ser igual a todo mundo.
Na idade adulta, a gente tenta realizar todos os projetos de vida.  Corre contra o tempo para dar conta de tudo e reclama de cada coisinha que não saiu como esperávamos.
Já a velhice, é o tempo de respirar. De colher os frutos de tudo aquilo que foi plantado durante anos.
De relembrar cada momento feliz que se viveu e orgulhar-se – mesmo que sozinha – de ter superado todos os obstáculos que insistiam em aparecer no nosso caminho.
É tempo de rever as coisas e concluí-las. De passar adiante tudo o que levou-se tempo para aprender.
Tempo de tentar diminuir dores alheias. De sorrir sossegado, porque não há nada que se esperar a não ser um café da manhã quentinho com um céu azul e o último capítulo da novela.
Acho que nunca seremos tão tranquilos e realizados senão na velhice.
Mas, claro, até chegar lá vai tempo, luta, coragem, sofrimento e aprendizado. E é por isso que ninguém é tão sábio e tão admirável quanto um idoso.
Ele percorreu um longo caminho até chegar onde está e deve orgulhar-se disso.
Como deve ser bom ter a consciência tranquila, o sossego no coração e a respiração aliviada por ter feito tudo o que podia ser feito e não ter mais nada a fazer que não seja: ser feliz.
(E é claro que tudo isso depende do que foi feito da sua vida durante esses anos – não é fácil ter a consciência tranquila e passar uma velhice amargurando o passado deve ser a pior das infelicidades.)

Conheci uma velhinha que aos 90 anos dava-me lições de vida e contava-me de todos os seus amores e desamores.
Não teve filhos. Seu marido morreu e todos os outros familiares também.
Ela estava há 20 anos sozinha, internada numa clínica e – como ela mesma dizia – seu único problema era a visão reduzida. Tinha saúde para dar e vender!
Ela não tinha ninguém. Sua aposentadoria era toda para pagar a clínica. Passava todos os dias lá, comia, dormia e via televisão. Conversava com alguns velhinhos que ainda eram lúcidos e não tinha o que esperar, nem mesmo a visita de um parente, como a maioria dos idosos internados.
Mas, dizia-me ela, que o que importava era ser feliz!
Sorriso no rosto, abraço apertado e olhos brilhando. Ela era feliz.
Dava e recebia amor como uma criança. Tinha experiência com seus 90 anos. Parecia jovem com toda aquela felicidade.
Pensei que apesar de ela não estar no melhor lugar do mundo, ela tinha o direito – e o dever – de aproveitar seu fim de vida como continuação da vida digna que teve.
E ela merecia ser cuidada, respeitada e admirada.

Infelizmente, quando a idade chega os problemas de saúde aparecem. Torna-se dependente, como uma criança, e deve ser cuidada como uma, que pode nos ensinar muito.
É como se devessemos isso aos idosos.
Eles que já passaram da nossa fase sofrida e agora merecem respirar em paz.
Se fosse dada mais atenção a essas pequenas criaturas abatidas pelo tempo, mas com uma visão única do tempo e da vida, seríamos seres mais sábios e teríamos nossa velhice realizada e respeitada também.
E mesmo aqueles que não conseguem nos ensinar, porque a saúde foi-lhe ingrata e vive hoje de outra forma, também merece respeito e amor, porque são humanos. Porque são um de nós. Porque terão sentimentos até o fim da vida.

Luto por respeito.
Respeito por cada momento da vida.
Cada fase, com sua dimensão, deve ser vivida intensamente e respeitada por todos nós.
Respeitar o ser humano, que é humano até que o coração pare de funcionar.

Agradeço a todos os velhinhos que já passaram por minha vida.
Agredeço a todos os velhinhos que continuam lutando por um dia feliz.
E desculpo-me, em nome do mundo, por vocês não serem tratados como deveriam.
Vocês são incríveis por terem chegado até aqui, eu mesmo não sei se vou aguentar.
Mas lutarei, até quando for-me possível, para dar mais um dia de felicidade para cada um de vocês.
Lutarei por um sorriso no rosto em meio a tantas marcas do passado.

Faço isso por mim, por vocês e por todos aqueles que se foram, e que eu daria tudo para passar mais uma tarde conversando e sorrindo diante de tanta sabedoria.

E com o maior amor do mundo,
dedico essa luta à minha avó.
Que de tanto dar-me a mão e esperar meu carinho, aparece em cada sorriso de um idoso me dando força para continuar trilhando o meu caminho, mesmo com a falta que ela faz.

 

Livia Galhardi.

O peso do mundo

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Eu queria mudar o mundo.
Queria ser a melhor em tudo e consertar aquilo que eu achava errado.
Ficar quieta perante uma injustiça sempre me pareceu hipócrita e covarde.
Fui lutando, andando desajeitadamente pelo caminho que eu achava que era o meu.
O mundo continuou o mesmo. As pessoas continuaram se magoando e eu fiquei cansada.
Era desgastante ter o peso do mundo nas minhas costas e sofrer diversas frustrações porque nada acontecia como eu queria.

Eu não mudei o mundo.
Eu mudei a mim mesma.
Aprendi que as coisas são como são e que eu não tenho o poder de consertar tudo.
Aprendi que eu sou pequena demais para sonhos do tamanho do mundo.
Mas eu não desisti deles, apenas os enxergo com mais calma.

Eu entendi que eu tenho que fazer a minha parte e que é isso que me realiza.
Entendi que tem milhares de pessoas que me magoam e que eu me desgastei tanto tentando mudá-las.
Hoje eu não me desgasto mais. Não é que eu esteja certa ou que essas pessoas não sejam boas o suficiente para mim.
A convivência não me traz paz, só isso.
E eu não quero viver cansada e frustrada. Não sou eu que tenho que ensinar o certo, eu nem sei se existe certo e errado.
Deixa que a vida ensina!

Passei dias inconformada e irritada com pessoas que não se preocupavam com os outros a sua volta.
Desgastante.
Não sou eu que vou criar o mundo perfeito onde as pessoas se amam e se respeitam. Nem a minha família é perfeita, que dirá o mundo.
E perfeito é extremista demais; quero meio-termo, equilíbrio.

Aprendi a afastar de mim o que não me faz bem. Isso não torna ninguém menos que ninguém, apenas me torna preocupada com a minha saúde emocional.
Quero paz, leveza, energia positiva e sorrisos.
Não quero gente que briga, que disputa quem fala mais alto, quem tem mais poder, quem se magoa mais.
Comigo você não vai brigar não.

Descobri que eu não tenho um motivo para aguentar relacionamentos que não são leves, divertidos e prazerosos.
A gente tenta se entender, não consegue, então eu me afasto.
Sem mágoas, sem rancor, sem indiretas.
Quero estar rodeada de amor e tranquilidade e não sei porque antes eu achava que não merecia isso!
Descobri que meu mundo, sou eu que crio. Estou escolhendo o que eu quero para minha vida, eu tenho esse direito e você: respeite!

Hoje eu não levo o mundo nas minhas costas.
Eu entendo que eu tenho a necessidade de fazer alguém feliz para me sentir bem, mas nem todo mundo precisa ser assim.
Cada um tem seu tempo, suas escolhas, seu caminho!
Aprendi que o que é certo para mim pode não ser para você, e isso não te torna mais imperfeito.

Hoje eu respiro tranquila. Ouço uma música, leio um livro, danço livremente e não tenho que me preocupar com as escolhas das outras pessoas, só com as minhas.
Eu aprendi a respeitar, a entender que é perfeitamente normal excluir algumas coisas da minha vida e ficar só com aquilo que me traz bem estar.
Eu não tenho que cuidar de todo mundo. Eu não tenho que me revoltar com as injustiças do mundo.
Eu tenho que fazer o que está ao meu alcance para que as coisas aconteçam do jeito que eu julgo ser certo.
Eu tenho que fazer a minha parte para minizar a dor de alguém, para trazer um sorriso ao rosto de alguém.
Mas eu tenho que me conformar que depois de um sorriso, vai ter sempre uma lágrima, ou ao contrário. E que o meu comportamento tem que ser o melhor possível e que me faça o mais feliz possível, mas as outras pessoas podem fazer o que quiserem e eu não posso julgá-las por isso.

Viver sem o peso de nada além de minha própria felicidade.
Equilíbrio e respeito.
Respeito pelos meus acertos e erros também, afinal todos andam desajeitadamente por um caminho…

Texto: Livia Galhardi
Foto: Rafael Manzarotto

Super heróis

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Depois de algum tempo, eu percebi que o que realmente importa nessa vida são os momentos que vivemos e os laços que formamos.
Hoje eu vejo que chorar porque algum menino não me quis, desesperar-me em véspera de prova e brigar com meus pais porque eles não me deixaram ir em tal festa foi pura imaturidade e perda de tempo.

E não há nada que me faça mais feliz do que estar ao lado das pessoas especiais que encontrei no meu caminho e viver com elas momentos inesquecíveis, inexplicáveis, que de tão bom parecem mágicos e me fazem pensar: “será que eu vivi isso mesmo?”

Se você não se lembra da última vez em que passou por um momento desse, comece a se preocupar. Talvez você não esteja vivendo, talvez você esteja dando importância para as coisas erradas.
E só para você começar a pensar nisso, parar tudo no mundo e ir ser feliz, eu vou contar um dia especial que tive.
Um dia que eu levo no coração, junto com tantos outros escolhidos a dedo, porque tem que sobrar espaço para os dias que eu ainda vou viver e os momentos incríveis que ainda vou passar.

Na verdade, foram dois dias. Dias 24/03 e 31/03, mas eu juntei a parte boa dos dois dias e criei um dia só. (sim, eu tenho esse poder de criar dias, apagar dias…sou seletiva e só gravo na memória o que me interessa!)

Começou assim:
Um monte de gente para fora do auditório, conversando, rindo, organizando-se. Gente tentando esconder a timidez. Gente tentando fazer novas amizades. Gente se perguntando o que estava fazendo ali e gente ansiosa se perguntando o que iria acontecer ali.
Tanta gente! Gente de todo tipo, cada um com uma história. Cada um com um jeito que por ser único se tornava especial.
Lá ninguém era invisível. Ninguém tinha pressa. Lá todas as pessoas viviam e só queriam ser felizes.

Olhar cada um.
Um loiro, um moreno. Um alto, um baixo. Uma magrinha que parecia que ia quebrar. Uma gordinha toda engraçadinha.
Olhos claros, escuros. Olhos assustados, de tristeza e de alegria.
Sorrisos esperançosos e sorrisos envergonhados.
Uma gente louca que fala, ri, mistura mil e um sentimentos e não sabe definir nada! Mas sente, apenas sente.

Em cima do palco tinha um gordinho que mandava e desmandava. Mas que a gente percebia que ele dava tudo por aquelas pessoas, por estar ali.
Um barbudo que contava piada que de tão sem graça acabava sendo a mais engraçada do mundo!
Uma salinha que ninguém sabia quem estava ali dentro, mas se percebia que era gente competente. Eram eles que faziam o negócio funcionar.
Eram os bastidores, aqueles meninos lindos que trabalham tanto por nada. Ou por tudo.
Trabalham para ver todos aqueles sorrisos dos novos voluntários, aqueles olhos brilhando de emoção e que só não desistem porque tem alguma coisa lá dentro que os fazem ficar, trabalhar, lutar e se desdobrar em mil, para atender ao gordinho mandão e para atender aos seus sonhos, que eles mesmos não sabem bem quais são.

Palestras, dinâmicas, vídeos, risadas.
Bexigas, abraços, correria, reflexão, comer, comer e comer.
E fala daqui, fala de lá. Minha bunda está doendo e eles não param de falar!

“O Projeto entrou na minha vida indiretamente, através de uma grande pequena mulher (…) Obrigada Mariana Sposito!”

Tanta coisa para agradecer. Tanta gente que influenciou, que desejou, que lutou.
Mas o responsável por estarmos lá, erámos nós mesmos.
A gente acreditou, se inscreveu, fez redaçãozinha.
Dois sábados de sol, passamos em um hospital. E quem diria que um hospital poderia ser o melhor lugar do mundo em que poderíamos estar naqueles sábados?

“Começam as emoções e sensações, meu Deus! Não sabia que poderíamos sentí-las com tanta intensidade e de uma só vez! Alegria, Amor, Euforia, Fé, Esperança, Felicidade, Êxtase, Melancolia, Pena, Egoísmo, Impotência enfim…muitas outras.”

Começamos a nos vestir. E tem até um ritual.
Uma história de colocar o nariz de palhaço, virar de costas e se transformar em outra pessoa.
Eu não virei outra pessoa, não. Achei que quando eu olhasse todas aquelas pessoas de narizes de novo, uau, teria acontecido uma transformação e seríamos todos super heróis! (eu sempre me imagino num filme quando estou vivendo as coisas e me decepciono quando a próxima cena não é o que eu queria ver. Dããã! Por que estava todo mundo igual? Maior mistério e seriedade pra gente se olhar em uma roda de nariz de palhaço e…só??)

Aí eu superei minha frustação e fui com a minha turminha para os corredores entrar nos quartos.
Primeiro quarto. Uma filinha atrás de mim.
“Estão prontas?”
Respirei fundo e uauuuuuuuuuuuuuuu!
O super herói apareceu dentro de mim!!! (estava meio atrasadinho, era pra aparecer na cerimônia dos narizes e tal, mas beleza né!)
De repente, eu fiquei forte. Alta. Super poderosa.
Dentro de mim tinham várias coisas que eu podia arrancar com a mão e dar para cada paciente.
Eu não andava, eu voava.
Eu controlava o tempo. O tempo era meu e eu ficava quanto tempo quisesse.
E tudo aquilo ali era meu! Era como se eu soubesse de tudo e conhecesse todos aqueles lugares, era a minha casa.

Tranquilidade. Calma. Paz.
Sorriso que não cabia na boca.
Tornei-me a super herói dos meus sonhos e aconteceu tudo melhor do que eu planejei no meu filme de vida.

Sabe a dor no coração daquela mulher? Eu curei!
Sabe o sorriso que aquele senhor não dava há meses? Ele deu!
Sabe a receita que aquela senhora não tinha ninguém para contar? Ela me contou três vezes.
Sabe aquele casal que precisava de um empurrãozinho para casar? Eu dei! E só não casei os dois ali naquele hospital porque seria meio deprimente. Mas ele me prometeu que na semana seguinte daria uma flor a ela. E eu prometi para mim mesma que um dia eu vou arranjar um desse pra mim! (ah se vou!)

” (…) piscava o menos possível pra não perder um segundo que fosse. Por quê? Porque tive uma aula que não se aprende em escola nenhuma, tive uma aula de HUMANIZAÇÃO.”

E saí. Desci as escadas correndo e conversando. Feliz que parecia que o peito ia explodir.
E com medo do gordinho mandão que ia perceber que eu estava atrasada! (ele é mandão, dá bronca e, às vezes, é uma versão piorada do meu pai…mas eu o amo tanto que até me adapto ao jeito dele e como meu pai diz “a gente briga porque gosta de você”, então tá né!)

Cada degrau, uma lembrança.
Caramba! Eu cantei até música evangélica que não conhecia e ele sorriu!
E aquela mulher que disse que ia falar da gente no livro dela! E ela até citou Clarice Lispector, minha preferida!
Quando crescer vou ser igual àquela mulher.

Cheguei.
Sala lotada, gente séria.  “Galerinha de nariz vermelho” e palhaços chorando.
É, eu estava atrasada.

Cada um contando da sua experiência, do que sentiu naquela noite.
Cada um se incomodando com o que queria dizer e não conseguia.
Uns sorriam, outros choravam. Uns tentavam se explicar. Outros usavam até palavrão, porque a intensidade é tanta que “foda-se” a boa educação!
E cada olhinho brilhando passava um emoção diferente.
Uma mistura de sentimentos que nem o mais sábio poeta saberia descrever.
Mas a gente se entendia. Alguém falava “Caraca!” e outro já dizia “é, foi foda!”.
Pronto, bastava isso. Bastava um sorriso de satisfação.
Missão cumprida!

E se cada paciente estivesse sentindo um pouquinho do que eu sentia, eu já tinha atingido o objetivo da noite.
Recebi muito, muito mais do que doei. E queria agradecer a cada pessoa daquele hospital e daquela sala por ter me feito feliz naquele dia.
E se todos os próximos dias forem tristes, não tem problema…eu vivi um dia em que valeu a pena estar viva.

“Eu não vou apenas existir… eu vou VIVER”

Eu tinha decidido isso. E pra quê se preocupar tanto com os meus problemas?
Faculdade? Tenho a vida inteira para fazer.
Namorado? Só se for para não me dar dor de cabeça!
Dinheiro? A gente arranja; tenho braços, pernas e uma cabeça que se eu colocar para funcionar até que sai alguma coisa!
Mas, e a família? os amigos? os momentos?
E aquela felicidade que eu estava sentindo, meu Deus? Eu quero para a vida inteira!
Chega de perder tempo lamentando, pensando em futilidades.
Como é bom estar vivo, estar em contato com as pessoas e como é bom fazer bem para alguém…como é bom!

“É bom ainda ver o bem nos olhos das pessoas, em meio ao caos que vivemos, indepedente de como o bem deve ser compartilhado no dia a dia…”

“Ontem realmente me chamou atenção: como as pessoas são boas lá no projeto, com qualquer um que você fala, estão todo felizes, bem humorados, com carinho pra dar mesmo…”

E para quem vê de fora, não dá pra explicar.
“Mais um final de semana que você vai perder no Projeto Sorrir?”
Defina perder e vá aprender da vida, meu caro.
“Você sempre me troca por esse Projeto Sorrir.”
Tem que ter muita paciência para explicar para essas pessoas pouco evoluídas que é questão de estar bem consigo mesmo e fazer bem à outra pessoa e – pelo menos para mim – não tem nada mais importante que isso.
E enquanto você não vivenciar isso (mas tem que se entregar), você não vai entender mesmo e vai achar que é uma troca, que eu sou muito boazinha mesmo para perder um feriado com gente que nem conheço.
Boazinha?! Vixi, não sou não! Eu só sei o que eu quero e o que me faz feliz. E faço isso por mim.

“E fui por mim. Sim, fui por mim também. Desde a última vez que fui no projeto antes de hoje, percebi que lá, meus problemas somem, a cabeça volta pro lugar. É terapêutico, é uma higiene mental. Dou risada, brinco, viro criança com o “Coração” (meu personagem), e depois, volta um Fernando diferente, mais calmo, mais leve, menos angustiado.”
E só precisa de tempo para isso, nada mais.
Você já tinha pensado como seu tempo é valioso? Um pedacinho dele pode mudar uma vida!
Você pode estar ali, parado, sem falar nada. Mas você está ali. E a pessoa sente, você sente.
Tudo é intenso demais e basta estar vivo para sentir. Entregar-se. Parar de ser figurante da sua própria vida.

“Pelo menos fiz algumas pessoas darem umas boas risadas…”

E depois da troca de experiência, do desabafo e da tentativa de organizar a mente de cada um, veio a oração.
Todos juntos, de mãos dadas. Cada coração ali guardava um sentimento.
E havia uma vontade de abraçar todo mundo e dizer “você é incrível e eu estou feliz!!”
Sensação de estar vivo, ser humano, conviver com pessoas e amá-las, indistintivamente.

“E esta emoção, mistura de muitos sentimentos, tanto os alheios quanto os internos, tinha um sabor especial, pois estávamos todos ali reunidos e compartilhando sentimentos (…)”

Eu só queria que metade do mundo vivenciasse esse momento e entendesse que não existe nada mais importante do que o amor.
E só quem estava lá presente sabe o significado que amor tem para nós.
Não é esse amor de homem e mulher. Amor carnal. Amor de sangue. Amor de gostar. É amor!
É maior que todas as coisas do mundo e é o sentimento mais gostoso e incrível que eu já senti.
No auge dos meus 19 anos, eu descobri que existe amor. E esse amor eu estou sim disposta a viver!
E por esse amor eu largo tudo e vivo cada momento. Por esse amor, vale a pena.

“Posso dizer que voltei renovada, por cada palavra, sorriso e abraço. E eu estava mesmo precisando disso.”

E eu saí de lá assim.
Completa. Amando-me. Achando-me incrível! (não que eu seja convencida, mas, nesse momento, eu me amei de verdade e não quis ser ninguém além de mim mesma. Apenas eu, com todos meus defeitos e qualidades, com todas minhas coisas para melhorar.)
Tão pequena diante do mundo e tão grande ao mesmo tempo!
Suspirar e agradecer.
Querer sorrir mais do que eu aguento e gritar, porque que bom que eu fui forte, eu aguentei, eu lutei e eu não desisti dos meus sonhos, não desisti das pessoas mesmo com as mágoas e não desisti do Projeto mesmo nos momentos difíceis.
Que bom que todos nós nos encontramos e nos tornamos super heróis de nossas histórias. As histórias mais lindas, mais felizes e que mais dão orgulho!

A gente sabe que não é fácil para ninguém. A gente sabe que cada um leva consigo uma dor, uma lágrima.
A gente sabe que uns tem mais facilidades, outros não.
E a gente sabe que somos todos humanos, diferentes e incríveis.
Uns não dormiram por ansiedade. Outros não dormiram para preparar tudo para pessoas que chegariam e que nem conheciam. Uns não dormiram porque moram longe. E uns não dormiram porque pensaram em desistir.
E nunca vai ser simples e tranquilo. Superaremos obstáculos e teremos que ter muita força e fé.
Mas cada um já se tornou o protagonista de sua própria história.
Cada um daqui é um super herói que deixa suas dores de lado, coloca seu nariz de palhaço e percorre o caminho da simplicidade para fazer bem ao outro, não porque ele é bonzinho, mas porque ele é humano e quer ser feliz.

Foto: Rafael Manzarotto e Carlos Izidoro.
Texto: Livia Galhardi.
Citações: Bianca Kelly Oliveira Santos, Christiane Gomes de Lima, Silmara Simplício, Lilian Lacerda, Cíntia Fujihara, Rafael Manzarotto Busuth, Ivan Zegales, Fernando Bitetti Lima, Danieli Alves da Silva, Beatriz Fernandes Caldin, Felipe Gramari.

Não me julga, necessário.

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“Não vou formular agora um juizo.
Seria falta dele se fizesse isso.
Todos querem ter juízo ou procuram por ele.
E pode ter certeza que quem tem, já perdeu e achou.
Perde e acha e eu não acho, tenho certeza.
Certeza de que não devo julgar, não me é necessário.
Mesmo por hora, vez ou outra, ser julgado.
Diz que me diz, fez o que fez, diz que não fez…
Já vi isso em contradições.
Desconsidero o que não me faz necessário.
É claro que erro, não vivo em um aquário.
Cuidado pra não errar julgando.
Tenha opiniões, críticas, conduta, postura.
Entenda, assimile, assuma.
Sempre estaremos ora de um lado, ora do outro.
Cometa seus erros e aprenda com todos. De todos.
Use a sensatez, sensação de bom senso.
Compare, tire suas conclusões.
Deixe guardado.
Exponha somente em casos realmente necessários.
Sem necessidade, não julgue, pois será julgado.”

Texto: Dan Pastre
Foto: Rafael Manzarotto