Super heróis

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Depois de algum tempo, eu percebi que o que realmente importa nessa vida são os momentos que vivemos e os laços que formamos.
Hoje eu vejo que chorar porque algum menino não me quis, desesperar-me em véspera de prova e brigar com meus pais porque eles não me deixaram ir em tal festa foi pura imaturidade e perda de tempo.

E não há nada que me faça mais feliz do que estar ao lado das pessoas especiais que encontrei no meu caminho e viver com elas momentos inesquecíveis, inexplicáveis, que de tão bom parecem mágicos e me fazem pensar: “será que eu vivi isso mesmo?”

Se você não se lembra da última vez em que passou por um momento desse, comece a se preocupar. Talvez você não esteja vivendo, talvez você esteja dando importância para as coisas erradas.
E só para você começar a pensar nisso, parar tudo no mundo e ir ser feliz, eu vou contar um dia especial que tive.
Um dia que eu levo no coração, junto com tantos outros escolhidos a dedo, porque tem que sobrar espaço para os dias que eu ainda vou viver e os momentos incríveis que ainda vou passar.

Na verdade, foram dois dias. Dias 24/03 e 31/03, mas eu juntei a parte boa dos dois dias e criei um dia só. (sim, eu tenho esse poder de criar dias, apagar dias…sou seletiva e só gravo na memória o que me interessa!)

Começou assim:
Um monte de gente para fora do auditório, conversando, rindo, organizando-se. Gente tentando esconder a timidez. Gente tentando fazer novas amizades. Gente se perguntando o que estava fazendo ali e gente ansiosa se perguntando o que iria acontecer ali.
Tanta gente! Gente de todo tipo, cada um com uma história. Cada um com um jeito que por ser único se tornava especial.
Lá ninguém era invisível. Ninguém tinha pressa. Lá todas as pessoas viviam e só queriam ser felizes.

Olhar cada um.
Um loiro, um moreno. Um alto, um baixo. Uma magrinha que parecia que ia quebrar. Uma gordinha toda engraçadinha.
Olhos claros, escuros. Olhos assustados, de tristeza e de alegria.
Sorrisos esperançosos e sorrisos envergonhados.
Uma gente louca que fala, ri, mistura mil e um sentimentos e não sabe definir nada! Mas sente, apenas sente.

Em cima do palco tinha um gordinho que mandava e desmandava. Mas que a gente percebia que ele dava tudo por aquelas pessoas, por estar ali.
Um barbudo que contava piada que de tão sem graça acabava sendo a mais engraçada do mundo!
Uma salinha que ninguém sabia quem estava ali dentro, mas se percebia que era gente competente. Eram eles que faziam o negócio funcionar.
Eram os bastidores, aqueles meninos lindos que trabalham tanto por nada. Ou por tudo.
Trabalham para ver todos aqueles sorrisos dos novos voluntários, aqueles olhos brilhando de emoção e que só não desistem porque tem alguma coisa lá dentro que os fazem ficar, trabalhar, lutar e se desdobrar em mil, para atender ao gordinho mandão e para atender aos seus sonhos, que eles mesmos não sabem bem quais são.

Palestras, dinâmicas, vídeos, risadas.
Bexigas, abraços, correria, reflexão, comer, comer e comer.
E fala daqui, fala de lá. Minha bunda está doendo e eles não param de falar!

“O Projeto entrou na minha vida indiretamente, através de uma grande pequena mulher (…) Obrigada Mariana Sposito!”

Tanta coisa para agradecer. Tanta gente que influenciou, que desejou, que lutou.
Mas o responsável por estarmos lá, erámos nós mesmos.
A gente acreditou, se inscreveu, fez redaçãozinha.
Dois sábados de sol, passamos em um hospital. E quem diria que um hospital poderia ser o melhor lugar do mundo em que poderíamos estar naqueles sábados?

“Começam as emoções e sensações, meu Deus! Não sabia que poderíamos sentí-las com tanta intensidade e de uma só vez! Alegria, Amor, Euforia, Fé, Esperança, Felicidade, Êxtase, Melancolia, Pena, Egoísmo, Impotência enfim…muitas outras.”

Começamos a nos vestir. E tem até um ritual.
Uma história de colocar o nariz de palhaço, virar de costas e se transformar em outra pessoa.
Eu não virei outra pessoa, não. Achei que quando eu olhasse todas aquelas pessoas de narizes de novo, uau, teria acontecido uma transformação e seríamos todos super heróis! (eu sempre me imagino num filme quando estou vivendo as coisas e me decepciono quando a próxima cena não é o que eu queria ver. Dããã! Por que estava todo mundo igual? Maior mistério e seriedade pra gente se olhar em uma roda de nariz de palhaço e…só??)

Aí eu superei minha frustação e fui com a minha turminha para os corredores entrar nos quartos.
Primeiro quarto. Uma filinha atrás de mim.
“Estão prontas?”
Respirei fundo e uauuuuuuuuuuuuuuu!
O super herói apareceu dentro de mim!!! (estava meio atrasadinho, era pra aparecer na cerimônia dos narizes e tal, mas beleza né!)
De repente, eu fiquei forte. Alta. Super poderosa.
Dentro de mim tinham várias coisas que eu podia arrancar com a mão e dar para cada paciente.
Eu não andava, eu voava.
Eu controlava o tempo. O tempo era meu e eu ficava quanto tempo quisesse.
E tudo aquilo ali era meu! Era como se eu soubesse de tudo e conhecesse todos aqueles lugares, era a minha casa.

Tranquilidade. Calma. Paz.
Sorriso que não cabia na boca.
Tornei-me a super herói dos meus sonhos e aconteceu tudo melhor do que eu planejei no meu filme de vida.

Sabe a dor no coração daquela mulher? Eu curei!
Sabe o sorriso que aquele senhor não dava há meses? Ele deu!
Sabe a receita que aquela senhora não tinha ninguém para contar? Ela me contou três vezes.
Sabe aquele casal que precisava de um empurrãozinho para casar? Eu dei! E só não casei os dois ali naquele hospital porque seria meio deprimente. Mas ele me prometeu que na semana seguinte daria uma flor a ela. E eu prometi para mim mesma que um dia eu vou arranjar um desse pra mim! (ah se vou!)

” (…) piscava o menos possível pra não perder um segundo que fosse. Por quê? Porque tive uma aula que não se aprende em escola nenhuma, tive uma aula de HUMANIZAÇÃO.”

E saí. Desci as escadas correndo e conversando. Feliz que parecia que o peito ia explodir.
E com medo do gordinho mandão que ia perceber que eu estava atrasada! (ele é mandão, dá bronca e, às vezes, é uma versão piorada do meu pai…mas eu o amo tanto que até me adapto ao jeito dele e como meu pai diz “a gente briga porque gosta de você”, então tá né!)

Cada degrau, uma lembrança.
Caramba! Eu cantei até música evangélica que não conhecia e ele sorriu!
E aquela mulher que disse que ia falar da gente no livro dela! E ela até citou Clarice Lispector, minha preferida!
Quando crescer vou ser igual àquela mulher.

Cheguei.
Sala lotada, gente séria.  “Galerinha de nariz vermelho” e palhaços chorando.
É, eu estava atrasada.

Cada um contando da sua experiência, do que sentiu naquela noite.
Cada um se incomodando com o que queria dizer e não conseguia.
Uns sorriam, outros choravam. Uns tentavam se explicar. Outros usavam até palavrão, porque a intensidade é tanta que “foda-se” a boa educação!
E cada olhinho brilhando passava um emoção diferente.
Uma mistura de sentimentos que nem o mais sábio poeta saberia descrever.
Mas a gente se entendia. Alguém falava “Caraca!” e outro já dizia “é, foi foda!”.
Pronto, bastava isso. Bastava um sorriso de satisfação.
Missão cumprida!

E se cada paciente estivesse sentindo um pouquinho do que eu sentia, eu já tinha atingido o objetivo da noite.
Recebi muito, muito mais do que doei. E queria agradecer a cada pessoa daquele hospital e daquela sala por ter me feito feliz naquele dia.
E se todos os próximos dias forem tristes, não tem problema…eu vivi um dia em que valeu a pena estar viva.

“Eu não vou apenas existir… eu vou VIVER”

Eu tinha decidido isso. E pra quê se preocupar tanto com os meus problemas?
Faculdade? Tenho a vida inteira para fazer.
Namorado? Só se for para não me dar dor de cabeça!
Dinheiro? A gente arranja; tenho braços, pernas e uma cabeça que se eu colocar para funcionar até que sai alguma coisa!
Mas, e a família? os amigos? os momentos?
E aquela felicidade que eu estava sentindo, meu Deus? Eu quero para a vida inteira!
Chega de perder tempo lamentando, pensando em futilidades.
Como é bom estar vivo, estar em contato com as pessoas e como é bom fazer bem para alguém…como é bom!

“É bom ainda ver o bem nos olhos das pessoas, em meio ao caos que vivemos, indepedente de como o bem deve ser compartilhado no dia a dia…”

“Ontem realmente me chamou atenção: como as pessoas são boas lá no projeto, com qualquer um que você fala, estão todo felizes, bem humorados, com carinho pra dar mesmo…”

E para quem vê de fora, não dá pra explicar.
“Mais um final de semana que você vai perder no Projeto Sorrir?”
Defina perder e vá aprender da vida, meu caro.
“Você sempre me troca por esse Projeto Sorrir.”
Tem que ter muita paciência para explicar para essas pessoas pouco evoluídas que é questão de estar bem consigo mesmo e fazer bem à outra pessoa e – pelo menos para mim – não tem nada mais importante que isso.
E enquanto você não vivenciar isso (mas tem que se entregar), você não vai entender mesmo e vai achar que é uma troca, que eu sou muito boazinha mesmo para perder um feriado com gente que nem conheço.
Boazinha?! Vixi, não sou não! Eu só sei o que eu quero e o que me faz feliz. E faço isso por mim.

“E fui por mim. Sim, fui por mim também. Desde a última vez que fui no projeto antes de hoje, percebi que lá, meus problemas somem, a cabeça volta pro lugar. É terapêutico, é uma higiene mental. Dou risada, brinco, viro criança com o “Coração” (meu personagem), e depois, volta um Fernando diferente, mais calmo, mais leve, menos angustiado.”
E só precisa de tempo para isso, nada mais.
Você já tinha pensado como seu tempo é valioso? Um pedacinho dele pode mudar uma vida!
Você pode estar ali, parado, sem falar nada. Mas você está ali. E a pessoa sente, você sente.
Tudo é intenso demais e basta estar vivo para sentir. Entregar-se. Parar de ser figurante da sua própria vida.

“Pelo menos fiz algumas pessoas darem umas boas risadas…”

E depois da troca de experiência, do desabafo e da tentativa de organizar a mente de cada um, veio a oração.
Todos juntos, de mãos dadas. Cada coração ali guardava um sentimento.
E havia uma vontade de abraçar todo mundo e dizer “você é incrível e eu estou feliz!!”
Sensação de estar vivo, ser humano, conviver com pessoas e amá-las, indistintivamente.

“E esta emoção, mistura de muitos sentimentos, tanto os alheios quanto os internos, tinha um sabor especial, pois estávamos todos ali reunidos e compartilhando sentimentos (…)”

Eu só queria que metade do mundo vivenciasse esse momento e entendesse que não existe nada mais importante do que o amor.
E só quem estava lá presente sabe o significado que amor tem para nós.
Não é esse amor de homem e mulher. Amor carnal. Amor de sangue. Amor de gostar. É amor!
É maior que todas as coisas do mundo e é o sentimento mais gostoso e incrível que eu já senti.
No auge dos meus 19 anos, eu descobri que existe amor. E esse amor eu estou sim disposta a viver!
E por esse amor eu largo tudo e vivo cada momento. Por esse amor, vale a pena.

“Posso dizer que voltei renovada, por cada palavra, sorriso e abraço. E eu estava mesmo precisando disso.”

E eu saí de lá assim.
Completa. Amando-me. Achando-me incrível! (não que eu seja convencida, mas, nesse momento, eu me amei de verdade e não quis ser ninguém além de mim mesma. Apenas eu, com todos meus defeitos e qualidades, com todas minhas coisas para melhorar.)
Tão pequena diante do mundo e tão grande ao mesmo tempo!
Suspirar e agradecer.
Querer sorrir mais do que eu aguento e gritar, porque que bom que eu fui forte, eu aguentei, eu lutei e eu não desisti dos meus sonhos, não desisti das pessoas mesmo com as mágoas e não desisti do Projeto mesmo nos momentos difíceis.
Que bom que todos nós nos encontramos e nos tornamos super heróis de nossas histórias. As histórias mais lindas, mais felizes e que mais dão orgulho!

A gente sabe que não é fácil para ninguém. A gente sabe que cada um leva consigo uma dor, uma lágrima.
A gente sabe que uns tem mais facilidades, outros não.
E a gente sabe que somos todos humanos, diferentes e incríveis.
Uns não dormiram por ansiedade. Outros não dormiram para preparar tudo para pessoas que chegariam e que nem conheciam. Uns não dormiram porque moram longe. E uns não dormiram porque pensaram em desistir.
E nunca vai ser simples e tranquilo. Superaremos obstáculos e teremos que ter muita força e fé.
Mas cada um já se tornou o protagonista de sua própria história.
Cada um daqui é um super herói que deixa suas dores de lado, coloca seu nariz de palhaço e percorre o caminho da simplicidade para fazer bem ao outro, não porque ele é bonzinho, mas porque ele é humano e quer ser feliz.

Foto: Rafael Manzarotto e Carlos Izidoro.
Texto: Livia Galhardi.
Citações: Bianca Kelly Oliveira Santos, Christiane Gomes de Lima, Silmara Simplício, Lilian Lacerda, Cíntia Fujihara, Rafael Manzarotto Busuth, Ivan Zegales, Fernando Bitetti Lima, Danieli Alves da Silva, Beatriz Fernandes Caldin, Felipe Gramari.

Uma resposta »

  1. Lindo, lindo, lindo….Livia vc soube encaixar cada sentimento cada pessoa em suas palavras de forma maravilinda….parabéns a todos!…

  2. Meu que lindo,não tem como agente ler e não se emocionar.Mas o melhor de tudo mesmo é saber que tem sempre uma pessoa esperado um olhar,um sorriso e um toque nosso,esse carinho,esse amor que nos recebemos, não tem dinheiro que pague.

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